A grande barreira para os carros elétricos

Falta de pontos de recarga? Falta de assistência técnica especializada? Range anxiety? Desinformação sobre o assunto? Medo de comprar uma marca chinesa? Nenhum, reitero, nenhum dos itens acima são barreiras relevantes para uma ampla adoção de veículos elétricos no país.

Notem que a imagem da “capa” do post fala em carros elétricos. Eu prefiro deixar claro que vou abordar números dos veículos que o DENATRAN classifica como “automóveis”. E que são 100% elétricos com, no máximo, um motorzinho à combustão que funciona como um extensor de autonomia, gerando energia para as baterias do carro. Não considerarei ônibus, caminhões e VUCs e nem os carros elétricos existentes no país antes de 2014. Sobre os “pesados”, excluí-os porque não é algo que faça parte da minha realidade como usuário. E sobre os automóveis elétricos pré-2014, bem…se você encontrar algum rodando por aí, tire foto e, por favor, me envie. Na conta estão os modelos da Gurgel e os táxis Nissan Leaf da primeira geração. Já viu um rodando? Não?!? Então você entendeu meu ponto.

Update: sobre os carros elétricos existentes antes de 2014, nosso associado da ABRAVEI, Max, me chamou a atenção para o fato de que um leitor que não está muito por dentro do tema pode eventualmente pensar que os carros elétricos não duram tanto tempo. Na verdade, são pouco mais de 200 unidades que deixei de fora. A maior parte oriunda de projetos que não existem mais, como os Gurgel que citei e algumas unidades do Leaf usado por taxistas. Os Nissan Leaf, sim, poderiam ainda estar em operação, como ocorre em vários países do mundo. Mas, como foram objeto de um estudo, de um projeto-piloto, foram recolhidos há alguns anos. Carros elétricos duram como um carro normal. Talvez mais. Especialmente, os carros que possuem baterias maiores, como o caso do Bolt e outros modelos, pois terão menos ciclos de carga do que carros com baterias menores no mesmo período, ampliando a vida útil dessas baterias de alta tensão. Talvez o “casco” de um carro elétrico seja mais passível de não estar em boas condições do que seu powertrain após uma década ou mais.

A grande barreira para a frota de veículos leves, e aqui incluo as Vans, decolar no Brasil chama-se preço. Há demanda. Muita. Enorme. Avassaladora. Vejam: a Volvo lançou há três semanas a versão 100% elétrica do SUV XC 40. O preço de lançamento? “Módicos” R$ 380 mil. Por mais caro que esteja, em Reais, está com um preço bem próximo do que possui na Europa e Estados Unidos, convertendo dólar e euro em nossa combalida moeda. O mais incrível é que as 300 unidades destinadas ao pré-lançamento já foram vendidas! E sem ninguém ter feito test drive, pois o modelo não existe no país. Aliás, existe, e esteve exposto no 2º EME – Encontro da Mobilidade Elétrica ABRAVEI, realizado em 1º de novembro do ano passado. Mas não foi possível dirigi-lo. E nem conferir seu interior, pois era uma unidade de pré-produção que, inclusive, estava com um cordão de isolamento. O sucesso foi tão grande, que a Volvo do Brasil já conseguiu, com sua matriz, mais 150 unidades para serem entregues ainda este ano.

XC40 100% elétrica: veículo de pré-produção durante a montagem do 2º EME. E sem o cordão de isolamento.

O sucesso da Volvo também se refletiu nos lançamentos da Audi, com seus e-Tron, e da Porsche, com o Taycan. Todos vendidos no pré-lançamento ou logo após. E novas unidades sendo importadas. Algo entre 150 e 500 no mês de maio, ainda não emplacados, cuja imprecisão dos números deve-se ao fato da falta de padrão no registro das importações feitas, e que o nosso associado e guru, Ivan, compila no Forum VE: https://dados.forumve.com/2021_05/estat-importacao.html#sel_imp_produto&filter[imp_detalhes]=——87038000——!CICLO—————-&sort[imp_produto]=5-1&filter[imp_produto]=87038000–AUDI——–0

Com os 450 novos XC 40 que ainda vão chegar e mais essas centenas de carros elétricos importados apenas no mês de maio, a frota nacional consolida um crescimento exponencial.

Você leu certo: temos pouco mais de dois mil automóveis elétricos no Brasil.

Ainda que estejam restritos, em sua maioria, a modelos premium. Ou, ainda, a modelos que apenas têm o preço de carros premium, mas não o são, o fato é que os carros elétricos estão praticamente restritos ao topo da pirâmide social. Quem pode comprar um veículo popular 0km, que já é bem caro, ainda não vai ter condições de comprar um carro elétrico 0km, pois os preços iniciais partem de R$ 140 mil. Mas a demanda existe. E é enorme. Eu faço essa afirmação com a segurança de quem já conversou com centenas de potenciais compradores de carros elétricos em eventos, na rua, no condomínio, no barzinho (pré-pandemia) com os amigos.

A absoluta maioria já consideraria comprar um carro elétrico quando o litro da gasolina custava menos de R$ 4. Agora, então, isso é uma certeza. Mas, o preço precisa caber no bolso. Na verdade, a prestação do financiamento precisa caber no bolso.

Quem me conhece ou acompanha mais de perto sabe que eu defendo um modelo de financiamento do carro elétrico com portabilidade (sub-rogação, certo, Thiago?), de médio prazo. De preferência, com um prazo máximo que acompanhe o prazo da garantia das baterias de alta tensão. Isso significa algo entre cinco e oito anos.

Não importa se, ao final do período, o valor pago pelo veículo seja o dobro ou triplo. Importa é que a prestação caiba no bolso. Ainda mais considerando que o custo financeiro real da prestação será ainda menor, uma vez que o consumidor deixará de gastar com combustível e manutenção. E, sendo possível repassar o veículo adiante a um indivíduo que tenha crédito aprovado pela instituição financeira, esse financiamento de médio prazo vai criar um mercado de seminovos pujante que, como efeito colateral, vai fomentar o surgimento de oficinas e lojas de peças especializadas em carros elétricos.

Uma prestação que caiba no bolso resultará em um aumento muito expressivo de vendas. Mas, o grande tipping point que fará o carro elétrico ganhar as massas é um preço de venda até R$ 99.999,99. Como atingir esse valor? Com um Real mais forte? Talvez. Com um novo entrante chinês? Provavelmente. Com incentivos para a produção local de carros elétricos? Certamente! Uma coisa é certa: a demanda existe e está represada. Quando o carro elétrico for mais acessível, vamos nos transformar em um dos maiores mercados do mundo.