Ou, as Amarras Nacionais Fortes, Anacrônicas e VErgonhosas que Ameaçam o mercado de veículos elétricos no país
Atendendo a um pedido da ABVE, mudamos a sigla e domínio da ABVEi para ABRAVEi. Na minha opinião, ficou até mais sonoro, além de ostentar um orgulhoso e inequívoco “BRA”.
Aliás, “ostentar” é um bom gancho para começarmos este post. Carro elétrico, no Brasil, é ostentação. Todos os veículos disponíveis atualmente para aquisição de pessoas físicas, ou que estavam disponíveis há pouco tempo e que podem circular sem restrições por ruas e estradas, são de marcas premium e/ou caríssimos em comparação aos carros convencionais.
Para entender melhor a conjuntura que leva a este fenômeno da “elitização” dos VEs de quatro rodas, pois há bicicletas e scooters elétricas com preços bem atraentes no mercado, nós, da ABRAVEi, estamos aprendendo o papel de cada ator envolvido na cadeia produtiva e regulatória do setor.
Neste sentido, estivemos presentes no Seminário Internacional Sobre Recarga de Veículos Elétricos promovido pela ANEEL, a Agência Nacional de Energia Elétrica. Um evento muito bem organizado, riquíssimo em contaúdo e networking, confortável, mas sem excessos, respeitoso com o dinheiro público que, em última instância, o financiou. A ABRAVEi esteve presente nas figuras dos nossos conselheiros Marcelo e Rogério, além de mim. Vimos experiências estrangeiras, estudos sobre o mercado e perspectivas do que vem por aí em termos de regulamentação do setor. Destaco os seguintes itens:
- O Brasil tem cerca de 80 milhões de veículos. Se 5% do total, 4 milhões, fossem elétricos, o consumo em relação à geração de energia elétrica atual do país seria mínimo: 1,62%;
- Cada carro elétrico rodando 30 km por dia equivale ao sequestro de carbono anual de 19 árvores. Só que cada árvore precisa de 6 m2 de área e leva anos para crescer ao ponto de contribuir significativamente para absorção de CO2. Cada ônibus elétrico rodando 200 km por dia representa a ação anual de 1.492 árvores. E, muito pior que o CO2, é o monóxido de carbono (CO) e outros poluentes que veículos à combustão lançam na atmosfera e que são altamente prejudiciais à saúde;
- Carros elétricos representam, em média, uma economia financeira de 65% em relação ao gasto com combustível de um carro convencional;
- Sobre regulamentação, apenas as distribuidoras de energia podem cobrar por recargas de veículos elétricos em que há tarifação sobre a energia consumida e lucro sobre o serviço. E qualquer investimento que elas façam em infraestrutura de estações de recarga não pode ser refletido na conta de luz da população. Isso se chama subsídio cruzado e está rigorosamente contra a determinação da ANEEL.
- Meus comentários sobre esse item: a maior carência que temos no país, atualmente, é a de estações de recarga rápida que permitam deslocamentos intermunicipais e interestaduais. Os equipamentos são caros e a conta não fecha para que a distribuidora recupere o investimento feito nessas estações apenas com a cobrança da recarga, pois a frota de VEs nacional é ínfima. Mas, a CPFL apresentou uma “proposta híbrida” em que a ANEEL poderia determinar o ritmo da instalação das estações, evitando distorções ou abusos na implantação da infraestrutura de recarga. O reflexo na conta de luz seria de apenas 0,2%. Apesar de concordar com o conceito de não se ter subsídio cruzado, me parece que 0,2% a mais na conta de luz da população é plenamente justificável considerando que ajudaria a reduzir a emissão de poluentes, bem como tornar o veículo elétrico mais atrativo, o que, em última análise, beneficiaria toda a população atendida pela distribuidora.
- Vislumbro caminhos que, a princípio, tornariam viável a implantação de estações de recarga rápida e que estão totalmente em conformidade com as orientações da ANEEL e regras do mercado de energia. Devemos ter reuniões com fabricantes de equipamentos de recarga ainda este mês para discutirmos esses caminhos.

Independente da formatação final da regulamentação sobre recarga de veículos elétricos no país, não considero que a ampliação de infraestrutura de recarga seja o ponto onde vamos colocar a alavanca de Arquimedes para mover o mundo da mobilidade elétrica no Brasil, tirando-o da inércia. Afinal, a tomada de casa ou do trabalho é responsável por mais de 90% das recargas de um veículo elétrico. Então, é preciso gerar demanda. O resto vem a reboque. E, para gerar demanda, é imprescindível trazer opções mais em conta de carros elétricos para o país. E isso passa pelo legislativo.
No final deste ano, encerra-se o programa Inovar Auto, que concede benefícios às montadoras que investiram em fábricas no Brasil e atribui alíquotas de IPI conforme a cilindrada e combustível dos motores. Entretanto, as alíquotas de IPI não previam os veículos elétricos e, atualmente, eles são taxados pela alíquota mais alta, de 25%, que é a mesma destinada a veículos com motores a gasolina partir de 2 mil cilindradas:
O novo programa de regime do setor automotivo, chamado de Rota 2030, prevê taxação de IPI de acordo com a eficiência energética do veículo, como esclarece esta matéria. A idéia é sensacional, certo? Faz todo o sentido implementá-la, considerando que o mundo busca a redução da emissão de gases de efeito estufa e esse regime faria com que veículos elétricos tivessem a menor carga de IPI, tornando-os mais acessíveis à população, certo? De acordo com a ANFAVEA, não: Veja aqui.
A ANFAVEA, cujo lobby é poderosíssimo junto ao governo, se borra de medo de que os veículos elétricos decolem no Brasil. Isso porque ela defende os interesses das montadoras que possuem fábricas instaladas no país e que querem rentabilizá-las ao máximo, obter o máximo de retorno sobre o capital que investiram em suas instalações. A ENORME IRONIA é que essas mesmas montadoras estão investindo pesado em veículos elétricos nos mercados norte-americano, europeu e chinês, pois há imposições dos governos locais sobre restrição de emissões de veículos, ou imposição de uma determinada cota de veículos elétricos produzidos, que todas devem seguir. E, nos locais onde ainda não haverá essas imposições futuras, já existe um mindset favorável aos veículos elétricos em contraposição aos veículos à combustão. Não nos iludemos, entretanto: os incentivos para veículos elétricos – financeiros ou não – ainda são imprescindíveis em todos os mercados mundiais até que eles atinjam um maior nível de maturidade e andem com suas próprias pernas.
Quem tem mais de 30 anos, lembra o quanto o Brasil era defasado em termos de tecnologia automotiva: nossos automóveis estavam, pelo menos, duas décadas atrás do que existia nos mercados americano e europeu. Isso mudou com a abertura de mercado. ALELUIA!! Mas, se a ANFAVEA conseguir sobretaxar os elétricos no Brasil, viveremos situação parecida: o mundo desenvolvido caminhando para a eletrificação da frota e nós, em Pindorama, poluindo cada vez mais e enaltecendo os motores à combustão que, certamente, ganharão um “verniz” de eficiência energética em campanhas publicitárias maquiavélicas que enaltecerão as qualidades de motores pequenos, altamente econômicos e eficientes em comparação aos motores de gerações anteriores. Por mais verdade que esses motores novos sejam muito eficientes, como os de 3 cilindros que estão sendo utilizados e desenvolvidos por várias montadoras no Brasil, eles continuarão queimando combustível, oras. É algo como enaltecer a qualidade da lâmina do carrasco, muito mais bem forjada, mais bem afiada, com uso de materiais nobres e com um design muito mais inovador em relação às lâminas anteriores. Mas, ao final, ela vai continuar decepando sua cabeça. Ou, no caso do nosso exemplo, fazendo você respirar CO, CO2 e contribuindo para o efeito estufa que assola o planeta.
Destacando as coisas boas

Nem tudo é rançoso no meu post. Tive a oportunidade de visitar o complexo Brasil 21 em Brasília. Um condomínio comercial com várias lojas, moderno, e que conta com quatro vagas para veículos elétricos, sendo duas no subsolo e duas no térreo, e três carregadores. A Itaipu tem uma sede no local. Antes, Furnas estava no local. Nosso colega Rogério teve papel relevante na implantação do que considero a melhor infraestrutura de recarga disponível na capital federal, orientando sobre os padrões de recarga, pedindo tomadas extras nas vagas, entre outras contribuições. E o Rogério não parou por aí: também atuou para que o hotel Mercure Brasília contasse com uma vaga com recarga para VEs, além de outras iniciativas sobre as quais falaremos futuramente, assim que vingarem. 😉
Destaco, ainda, o relevante apoio que temos recebido da Volvo. Apoio que não envolve um tostão, para deixar claro: a montadora esteve presente em nosso encontro no posto Graal em Jundiaí no dia 29 de abril, emprestou um Volvo XC90 híbrido plug-in para participar do comboio que foi à Teresópolis e emprestou novamente o XC90 para irmos ao Seminário da ANEEL. Aliás, esse era o único veículo com possibilidade de locomoção 100% elétrica e recarregável em tomada que esteva presente ao evento. A Volvo está investindo em sua marca ao nos apoiar? Claro. E que continue assim. 🙂 Também é importante destacar os apoios que recebemos da BYD, Porto Seguro, Carbon Zero, Cooltra, Rede Graal, CPFL, Neosolar e Golden Zone.